Muito se comenta sobre a quantidade de informações disponíveis hoje na Internet (e no mundo em geral), e não há dúvida de que isso é extremamente positivo. Há cerca de dez anos atrás, para conseguirmos material de nossos ídolos ou de outros músicos brilhantes cuja obra quiséssemos estudar era necessário um certo sacrifício. Graças à Internet, qualquer um consegue baixar material sobre praticamente qualquer músico: CDs, livros, videoaulas, songbooks e tudo mais estão a poucos cliques de distância. Lógico que é discutível também a questão dos direitos autorais, mas não é isso que gostaria de comentar aqui.
Mas toda essa facilidade traz seus “efeitos colaterais”: o primeiro é a sobrecarga de informação: a grande quantidade de material acaba fazendo com que o “obter” se torne mais importante que o “estudar”. O segundo, e provavelmente mais importante, diz respeito à qualidade desse material.
Esses dois fatores combinados levam ao problema central que tratarei aqui: o autodidatismo impensado. A tamanha disponibilidade de material cria a falsa ilusão de que apenas “dar uma lida” no que é obtido é o bastante. Assim, a verdadeira essência de aprender é ignorada.
Vivemos em uma cultura onde as pessoas não acham ser necessário estudar formalmente para se atingir um nível satisfatório de qualidade. Em outras palavras, o autodidatismo sem a disciplina de aprendizagem é praticamente a única regra atual. É por isso que temos tantos problemas com pedreiros, mecânicos e tantos outros profissionais. Profissões essas que culturalmente são aprendidas “na marra”. “Na escola da vida”, como dizem.
Não que o problema esteja na profissão, claro que não! Hoje em dia há excelentes cursos para pedreiros, mecânicos e tudo o mais, a questão é convencer alguém a fazê-los. O problema está no profissional e na nossa cultura que nos ensina que podemos fazer qualquer coisa por conta própria, sem precisar “sentar a bunda na cadeira” (com o perdão da expressão) para estudarmos formalmente a fim de se obter conhecimento. Não estou descartando o estudo “por conta própria”, ou autodidatismo. Mas esse deveria ser um aliado e não a única abordagem. Autodidatismo só funciona quando o estudante já aprendeu a aprender, e são raros os que tem essa habilidade inata.
O termo “autodidata” também possui um certo status na comunidade musical. Associa-se ao autodidata uma noção de habilidade natural, uma aura de talento acima da compreensão que – não há como negar – adiciona à imagem do artista. Isso faz com que as pessoas achem que estudar formalmente ao invés de ter talento natural é um demérito Como bem comentaram Joseph O’Connor e John Seymour no livro “Introdução à Programação Neurolinguística”:
Há uma ideia estranha na nossa cultura. Acredita-se que descobrir como explicitamente se faz algo vai prejudicar o desempenho, como se a ignorância fosse um pré-requisito para a excelência.
E olha que estavam comentando sobre a cultura norte-americana onde até para ser porteiro de prédio se faz curso. Imaginem então como isso se aplica em dobro para a nossa cultura.
Da mesma forma que aprendemos a dirigir fazendo aulas práticas e teóricas, ou seja, estudando e vivenciando a situação, as aulas de música também deveriam merecer o mesmo valor. Ao invés de apenas baixar vídeo-aulas e digitações pela internet, todos deveriam procurar um bom professor de forma que pudessem vivenciar a experiência ao invés de apenas ler sobre ela. Se dirigir, que é tão mais fácil que tocar um instrumento deve ser aprendido com um professor, porque não um instrumento também? Senão bastaria apenas baixarmos apostilas e uns vídeos pela internet para sairmos dirigindo bem por aí. Se todos que dirigem estudam para isso e ainda assim temos tantos maus motoristas, imaginem o que acontece com a música que além de mais difícil ainda sofre com a baixa qualidade do aprendizado.
Para vocês terem uma ideia de como a situação é crítica, a maioria dos professores também são autodidatas. Por isso torna-se tão importante analisar o currículo de um professor antes de se decidir por fazer aulas com ele. Claro que certificados apenas não são garantia para um bom ensino, mas é mais provável que um professor com uma boa quantidade de cursos em seu currículo tenha mais conhecimento que um “professor” que aprendeu a tocar por conta própria.
Eu mesmo sempre aprendi muito estudando sozinho, mas só eu sei o quanto pude me desenvolver e aperfeiçoar quando fiz cursos ou aulas particulares com bons professores. Só quem passa pela experiência de ter frequentado boas aulas é que sabe a diferença que isso faz.
Hoje sou professor há mais de 10 anos e tenho mais de 30 cursos e workshops no meu currículo com guitarristas que fazem parte da história da guitarra no Brasil e no mundo. Meu conhecimento se fez através, como eu disse, do meu estudo autodidata que foi reforçado mais tarde por cursos e aulas de qualidade. Ele não seria completo se faltasse um desses dois recursos. Nada substitui a vivência e a aula ainda lhe dá oportunidade do “feedback”, da resposta, onde, por exemplo, até mesmo uma vídeo-aula, por melhor que seja, é deficiente. Pense o seguinte: “Ok, sei que ele está fazendo certo no vídeo, mas será que eu mesmo estou fazendo certo?”
Da próxima vez que for baixar um material de estudo da internet, esteja curioso para saber o tanto de informação que pode estar faltando ali sem você nem ao menos ter noção disso. É óbvio dizer mas muita gente não pensa que, não se tem noção exata do que falta se você não sabe do que se trata. Existem detalhes que você não irá perceber justamente porque você não sabe que são importantes ou até mesmo por não saber que existem.
E não é justo acusar muitos de seus ídolos de nunca terem frequentado uma aula particular ou escola pois isso pode ter acontecido por pura falta de oportunidade, não por opção.
Muitas pessoas têm receio de estudar dizendo: “Não estudo porque não quero perder meu estilo ou minha personalidade no que faço.”
Uma vez que você aprende coisas novas pode decidir sobre o que gostaria ou não de usar para aprimorar seu estilo e personalidade, se expressando com mais capacidade ainda. Lembre-se “a ignorância não é pré-requisito para a excelência”.
Acho importante ter o professor, a expertise não pode ser aprendida apenas com autoestudo.